Luto: Algumas considerações sobre a vivência e superação deste processo
Eros e a morte
"Era
uma tarde quente e abafada, e Eros, cansado de brincar e derrubado pelo
calor, abrigou-se numa caverna fresca e escura. Era a caverna da
própria Morte.
Eros,
querendo apenas descansar, jogou-se displicentemente ao chão, tão
descuidadamente que as suas flechas caíram. Quando acordou percebeu que
elas tinham se misturado com as flechas da Morte, que estavam
espalhadas no solo da caverna. Eram tão parecidas que Eros não conseguia
distingui-las. No entanto, ele sabia
quantas flechas tinha consigo e ajuntou a quantia
certa. Naturalmente, Eros levou algumas flechas que pertenciam
a Morte e deixou algumas das suas.
E é assim que vemos, frequentemente, os
corações dos velhos e dos moribundos, atingidos pelas flechas do
Amor, e as vezes vemos os corações dos jovens capturados pela
morte".
Como se pode
perceber na citação acima, desde os primórdios buscam-se explicações mitológicas,
religiosas, a fim de racionalizar a morte. Apesar de a morte fazer parte do cotidiano racional
de todos aqueles que têm vida, ela causa grande impacto sobre a vida daqueles
que sofrem a perda. O processo de perda de um ente querido e a elaboração desta
perda, como afirmam vários autores, faz parte do processo de desenvolvimento do
ser humano.
O processo de perda, que se inicia muitas vezes no processo de
adoecimento do ente querido e pode se estender por períodos distintos. No
processo de adoecimento de cônjuge, a perda do companheiro é sentida na medida
em que já não se pode mais contar com o companheiro adoecido em atividades,
tais como rotinas de trabalho, tarefas domésticas, cuidado com filhos,
desempenho sexual, entre outras.
Autores consideram que a morte mais difícil da qual tentamos nos
recuperar é a do cônjuge, entendido como um evento potencialmente estressante.
Estudos consideram os seis primeiros meses como os mais difíceis, ao passo que
no final de dois anos após a perda, os indivíduos geralmente não apresentam
alteração de sinais e sintomas.
Quando o quadro do adoecimento já está bastante avançado, podem surgir
sentimentos contraditórios, tais como desejo de morte para alívio do sofrimento
da pessoa adoecida, mas ao mesmo tempo, temor pela perda. Podem emergir
sentimentos de culpa e impotência mediante a dor do ente querido.
O luto decorrente da perda, muitas vezes caracteriza um
quadro de atenção clínica por apresentar alterações tanto emocionais quanto comportamentais
no indivíduo que o enfrenta. Entende-se que o tempo de luto que o
indivíduo irá enfrentar depende de vários fatores: circunstâncias em que a
morte ocorreu, tipo de relação com o ente falecido, além dos recursos internos
e externos que cada pessoa tem para enfrentar o processo de luto.
O luto decorrente de morte imprevista,
ou, no caso que envolve a morte de um companheiro de longa data, apresenta
particularidades, pois a qualidade dessa relação afeta o sentimento de saudade percebida
após a perda. Pesquisas realizadas mostram que, no período que sucede a perda
do cônjuge, existe a incidência significativa de depressão, alcoolismo, queixa
de problemas e doenças físicas em seus parceiros. Alguns sintomas comuns ao período de estresse
são: ansiedade, desesperança em relação ao futuro, problemas com habilidades
sociais, distúrbios do sono e alimentação, entre outros.
O processo denominado de luto consiste numa adaptação à perda,
envolvendo uma série de tarefas ou fases para que tal aconteça. É algo
inevitável, inerente à perda e vivenciado de maneiras distintas entre os seres
humanos. Geralmente há alterações no padrão de sentimentos, comportamentos,
sensações físicas e pensamentos em quem vivencia o processo. Dependendo da
intensidade com o qual ocorrem, estas alterações podem a causar prejuízos ao
indivíduo e merecem certa atenção. Algumas alterações são descritas abaixo.
Alterações
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Sentimentos
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Tristeza; Angústia; Raiva; Culpa; Ansiedade; Solidão; Desamparo;
Saudade; Vazio; Alívio; Impotência.
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Pensamentos
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Descrença; Desesperança; Pensamentos Obsessivos (recorrentes);
Confusão; Alucinação.
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Sensações Físicas
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Falta de energia, Fraqueza, Aperto no peito, Dores de estômago, Falta
de ar, Boca Seca, Hipersensibilidade ao barulho, Sensação de
despersonalização (nada parece real)
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Comportamentos
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Alterações de sono, Alterações de apetite, Distração, Dificuldade de
concentração, Choro, Agitação, Isolamento social, Atos para lembrar a pessoa,
Guardar objetos da pessoa, Dificuldade em modificar ambiente (modificar
rotinas, mexer em pertences da pessoa), Dificuldade de adaptação a nova
rotina sem a pessoa.
|
Autores consideram que existem tarefas básicas para que se
restabeleça o equilíbrio e se elabore de fato o processo de luto. Desta forma,
a adaptação à perda, de acordo envolve quatro tarefas básicas:
1.
Aceitar a realidade da perda
2.
Trabalhar a dor advinda da perda
3. Ajustar
a um ambiente em que o falecido está ausente
4.
Transferir emocionalmente o falecido e prosseguir com a vida
Uma vez que o luto é um processo e não um estado, estas tarefas exigem
esforços e tal como uma doença, a pessoa pode não ficar totalmente curada. Enfrentar
e superar estas tarefas requer, muitas vezes, a atenção e assistência
profissional para auxiliar o indivíduo a identificar as suas dificuldade e
auxilia-lo a superá-las.
1.
Aceitar a realidade da perda
Quando alguém morre, mesmo sendo uma morte previsível, há sempre um
sentimento: “Isto não aconteceu.” Desta forma, a primeira tarefa do sofrimento
é perceber a realidade de que a pessoa morreu e de que a pessoa não irá voltar.
Chegar a uma aceitação da perda leva tempo, pois envolve não só uma aceitação intelectual,
mas também emocional, esta última sendo mais demorada. A crença e descrença alternam
enquanto se permanece nesta tarefa. Apesar de levar inevitavelmente tempo, os rituais
tradicionais, como o funeral, ajudam muitos enlutados a avançarem na aceitação
da perda.
2.
Trabalhar a dor da perda
Muitas pessoas experimentam dor física, bem como dor emocional e
comportamental associadas à perda. Uma vez que a pessoa em luto passa pela dor
causada pela perda, suprimir essa dor irá muito provavelmente prolongar o
processo de luto. Certas pessoas não compreendem a necessidade de
experimentarem o sofrimento e tentam encontrar alívio das suas emoções, ao
invés de se permitirem satisfazer a dor, senti-la e ter consciência de que um
dia ela passará. Mais cedo ou mais tarde, a maioria dos indivíduos que evita o
sofrimento consciente, acabam por apresentarem alguma forma de doença física ou
psíquica.
3. Ajustar a um ambiente em que o falecido
está ausente
Ajustar-se a um novo ambiente tem diferentes significados para as
pessoas e vai depender da relação que se tinha com a pessoa falecida e os
vários papéis que ela desempenhava. Por exemplo, para muitas viúvos, o tempo
que leva para se perceberem como é viver sem os seus cônjuges é cerca de 3
meses após a perda. No caso de uma viúva, a perda de um marido pode significar
a perdas de um parceiro sexual, um companheiro, um contabilista, um jardineiro,
etc., dependendo dos papéis que eram normalmente desempenhados pelo seu marido.
No
caso de morte do cônjuge, os parceiros sofrem grande pressão social para
rapidamente retornarem às suas rotinas, tendo seus recursos internos fortemente
mobilizados para conseguirem lidar com a tristeza e, simultaneamente, retomarem
sua funcionalidade. A estratégia de redefinir a perda, de tal forma que pode
recair para o benefício da pessoa que viveu a perda, é normalmente parte do
desta tarefa. Estabelecer novas relações e editar as relações pré-existentes
com familiares e amigos é uma ação a ser desempenhada. Estabelecer rotinas
adaptadas a nova realidade, modificar o ambiente da casa, reorganizar objetos
pessoais entre outros faz parte deste momento. Este movimento pode ser feito de
forma gradativa, pois mobiliza muitos sentimentos, por vezes contraditórios. É
importante que a pessoa, ao reorganizar a sua vida, não pense que desta forma
estará apagando ou dando menos importância a pessoa falecida. Apenas está se readaptando com a sua
ausência.
4.
Transferir emocionalmente o falecido e prosseguir com a vida
Uma pessoa nunca perde as memórias de uma relação significativa. Autores
afirmam que o processo de luto termina quando o enlutado deixar de ter uma
necessidade de reativar a representação do falecido com uma intensidade
exagerada no seu cotidiano. Neste item se discute a disposição para entrar em
novas relações que está diretamente dependente de encontrar o espaço adequado
na vida psicológica do enlutado. Uma maneira de não completar esta tarefa é não
amar. Algumas pessoas agarram-se ao vínculo que tem com o passado, ao invés de
seguir em frente e formar novas vinculações. Algumas pessoas sentem a perda de
uma forma tão dolorosa e passam a crer que nunca mais vão amar. Para muitos,
esta é a tarefa mais difícil de alcançar, ficando-se por vezes preso nela e só
tomando consciência disso, muito tempo depois, verificando que as suas vidas estagnaram
após a perda. O sentimento de deslealdade ou o medo catastrófico de uma nova
perda podem bloquear a formação de novos compromissos. Esta tarefa pode ser
alcançada a medida que a pessoa percebe que pode voltar a amar sem deixar de ter
afeto pela pessoa que perdeu.
Não existe uma resposta conclusiva para definir o tempo que leva
para o luto de uma pessoa ser elaborado e concluído. No entanto, quando se
perde uma relação próxima, é muito improvável levar menos de um ano e para
muitos casos dois anos ou até mais não é muito tempo. O processo de sofrimento
é muito variável, e além disso, a cada nova estação, férias e aniversário pode
haver momentos de fragilidade em relação a perda.
Pode haver regressões num processo de luto, até mesmo quando o
enlutado já passou claramente para uma fase seguinte. A pessoa pode regressar a
padrões anteriores em períodos de estresse. Isto não quer dizer que haverá uma
regressão permanente. Pelo contrário, a regressão passa habitualmente assim que
a situação estressora termina. Um sinal de uma reação de sofrimento estabilizada
é quando a pessoa consegue pensar no falecido sem dor e quando consegue
reinvestir as suas emoções em atividades prazerosas que não tragam risco a sua
saúde, além de investir em outros relacionamentos afetivos.
Revisão
bibliográfica por Andresa Soster
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